Poucos conhecerão a quantidade e a variedade das estruturas existentes no país, com a vocação estrita de realizarem a arbitragem em conflitos de natureza diversa. Os “centros” e as “comissões” de arbitragem estão um pouco por todo o lado.
Alguns pertencem a associações empresariais – como a AEP, as das indústrias da madeira, da construção, das agências de viagens – e dedicam-se, sobretudo, a litígios entre os seus membros ou do seu interesse.
Outros ocupam-se, exclusivamente, de conflitos de consumo. Outros, ainda, apresentam-se com carácter generalista: é o caso dos centros de arbitragem da Universidade Católica e da Universidade Autónoma, e, ainda, de alguns inteiramente privados, que se assumem como negócios. Finalmente, há que referir a experiência interessantíssima das “comissões de conciliação e arbitragem” que existem nos três principais centros urbanos dos Açores, e que são especializadas em matéria de conflitos laborais.
Medidas legislativas recentes têm procurado valorizar os processos alternativos de resolução de conflitos. A situação de crise que se vive no aparelho público de administração da justiça não deixa margem para muitas outras vias de solução. Essa crise tem manifestações pitorescas e apetitosas para a imprensa de sensação, mas a mais grave de todas é rastejante, e acolhida pelo conformismo geral – a insustentável demora das decisões, equivalente, em muitos casos, à denegação de justiça.
Os números oficiais mostram, aqui e acolá, tendências de melhoria, mas basta uma qualquer Casa Pia para destruir toda a sensação de viabilidade que eles sugerem. Nada a fazer – a não ser revolucionar, com um radicalismo que colocaria a Ordem dos Advogados em pé de guerra, todos os modelos processuais, todos os planos de formação de magistrados, todos os critérios de avaliação e promoção de juízes, todos os sistemas de responsabilização dos profissionais do foro.
Entretanto, restam as “alternativas”: a mediação e a arbitragem, que estão a ganhar terreno na litigiosidade individual. A voluntariedade, a simplicidade e o custo moderado dos processos são características sedutoras – embora o cerimonial judiciário continue a atrair quem tem pretensões sérias para fazer valer.
Mas onde está, afinal, a crise da arbitragem? Está num domínio em que, realmente, ela própria não tem alternativa – o dos conflitos colectivos de trabalho. Aí não há, em geral, tribunais que valham. Não existem, entre nós, práticas judiciais de intervenção nesses conflitos, como noutros países da Europa. Muito menos existe a possibilidade de “resolução” dos conflitos por decisão judicial, como no Brasil. Só mesmo os métodos “alternativos” podem aqui funcionar, no sentido de prevenir ou limitar a confrontação directa dos contendores.
A arbitragem, na sua pureza, depende da iniciativa dos interessados e supõe a intervenção de pessoas escolhidas por eles. Mas, nos conflitos colectivos laborais, é praticamente inexistente. A crispação, o finca-pé e o receio de perda do controlo do conflito sobrepõem-se à busca de soluções.
A arbitragem que é praticada afasta-se totalmente do modelo desejável: é a “arbitragem obrigatória”, promovida pelo governo e realizada por pessoas sorteadas de listas previamente consensualizadas entre os parceiros sociais. E essa arbitragem atípica só tem actuado – embora não haja nisso nada de forçoso – para a definição dos “serviços mínimos” nas greves que têm afectado os serviços públicos.
A irracionalidade desta situação salta aos olhos. Não há, em Portugal, uma percentagem menor de pessoas competentes e capazes de decidir com objectividade do que noutros países. As empresas cultivam o finca-pé de modo pouco rentável. Do lado sindical, só se compreende a recusa da arbitragem voluntária por parte dos sindicatos de categoria que têm músculo para greves sensíveis. Por parte dos outros – a maioria –, é bem mais difícil de entender.
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António Monteiro Fernandes, Professor do ISCTE
Diário Económico On-Line
13 novembro 2007
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