19 novembro 2007

Formar mediadores de conflitos nas escolas

O tema da violência na escola volta a estar inscrito nos discursos políticos e nas páginas dos jornais, pois trata-se de uma realidade que marca o dia-a-dia de muitas escolas. A prová-lo está o número de chamadas que a Linha SOS Professor continua a receber, desde o início do ano lectivo.

Com efeito, os problemas de convivência, como o conflito, a indisciplina e a violência, colocam em causa os valores e comportamentos que devem existir na turma, na sala de aula ou na escola em geral. Considerados como expressão de disfunção ou contradição do sistema escolar actual, resultam especialmente de uma crise (social) mais profunda.

Contudo, porque convivência na escola é geralmente tratada como um elemento de disciplina, tem gerado uma lógica administrativa de solução de conflitos. Por exemplo, o tratamento da convivência activa-se (apenas) quando surgem incidentes, quando são violadas as normas e quando ocorrem actos de indisciplina ou de violência verbal ou física. Nesse sentido, os problemas de convivência estão associados à ideia da inevitabilidade do recurso às medidas disciplinares.

Qualquer modelo de convivência está potencialmente cruzado por relações de conflito. Os conflitos fazem parte da nossa vida. Como conjugar, então, convivência e conflito? Usando justamente o conflito para intencionalizar objectivos de mudança e transformação, para incrementar capacidades de comunicação e compreensão interpessoal nos alunos, com vista a tornar os conflitos experiências de crescimento e desenvolvimento dos alunos e das relações que estabelecem.

É nesse contexto que a mediação escolar assume uma importância crucial, pois apresenta-se como um método alternativo - porque não adversarial - de abordagem ao conflito e também como uma estratégia positiva, criativa e de cooperação entre os actores da comunidade escolar. Qualquer legislação que vise combater a violência na escola deverá incorporar estes princípios.

Os estudos e os projectos levados a cabo noutros países europeus - alguns já foram divulgados no Porto, em 2006 - indicam que a introdução da mediação nas escolas pressupõe dotar os actores da comunidade escolar de competências nessa área, em especial os professores e os alunos.

A formação dos docentes em mediação permitirá desenvolver competências de abordagem dos conflitos na sala de aula, nos espaços de apoio ao aluno e, por outro lado, os professores mediadores poderão formar os alunos em matéria de competências sócio-relacionais.

A formação de alunos mediadores deve constituir um vector essencial dos programas de mediação escolar. A convivência na escola beneficia significativamente quando os alunos são eles próprios protagonistas do processo de mediação de conflitos. A aplicação do modelo de mediação entrepares em escolas espanholas e francesas tem alcançado resultados concretos, patentes em bibliografia e material audiovisual útil quer para investigadores quer para mediadores.

Devemos começar por "educar no conflito e para o conflito", para mudarmos a crescente cultura de adversidade. Esta ideia coloca-nos perante os desafios enunciados no Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, no qual se evidencia que um dos pilares da educação consiste simultaneamente em "aprender a ser e em aprender a viver juntos", conhecendo melhor os outros, desenvolvendo projectos conjuntos que solucionem pacificamente os conflitos.

É fundamental que se percebam os limites do modelo impositivo e sancionatório e das estratégias de gestão e resolução de conflitos vigentes nas escolas.

Se em diversos países da União Europeia a mediação escolar já é uma realidade há décadas, em Portugal são raros os programas existentes. Os primeiros programas-piloto surgiram nos anos 90. Nos últimos anos, assistimos ao surgimento de programas mais desenvolvidos. Todavia, a formação de professores ainda não se generalizou.

Estarão os professores motivados para ser mediadores? A nossa experiência formativa com professores de escolas dos distritos do Porto, Vila Real e Aveiro tem demonstrado claramente que sim, embora os professores apontem a falta de recursos das escolas como o principal obstáculo à implementação dos programas de mediação que concebem durante o seu processo de formação como mediadores escolares. É todavia necessário voltar a sublinhar que qualquer programa de mediação escolar só terá sucesso se tiver por base a assunção de uma cultura de mediação por parte de toda a comunidade escolar, nomeadamente do pessoal não docente e dos pais.


Elisabete Pinto da Costa

Mediadora de Conflitos e Directora do Instituto de Mediação da Universidade Lusófona do Porto. Elisabete.pinto.costa@gmail.com

Bruno Simões Castanheira
JN On-Line