Serviço criado na Madeira em 2006 já registou 39 processos, dos quais, três aguardam por julgamento
Jornal da Madeira — Considera que os cidadãos madeirenses estão mais conscientes acerca dos seus direitos enquanto consumidores?
Fernanda Botelho — Pelos dados estatísticos que nos é dado a conhecer pelo Serviço de Defesa do Consumidor acerca do número de pedidos de informações ou reclamações podemos aferir que os cidadãos estão muito mais conscientes de que lhes advém um direito quando contratam com alguém na prestação de um serviço ou quando adquirem um bem para uso pessoal ou familiar.
Para tal, tem que estar subjacente a dicotomia do consumidor e o agente económico. Não posso afirmar que todos os cidadãos conhecem que têm direitos e deveres mas à partida, a maioria, sabe.
O que a constituição diz em termos da Lei de Defesa do Consumidor — Lei n.º 24/96, de 31 de Julho é que os governos, inclusive, as Regiões Autónomas devem promover a criação de centros de arbitragem para dirimir conflitos de consumo.
Em Portugal já existem alguns, que podem ser de competência genérica, que é o caso do centro da Madeira, mas há outros que apenas vão dirimir conflitos de consumo de uma certa área. O nosso é de âmbito genérico porque não era bom nem económico criar um para cada área de consumo.
Conflitos de consumo de diversa origem
O centro de arbitragem canaliza para si conflitos de consumo que sejam provenientes de uma associação de consumidores, do Serviço de Defesa do Consumidor ou de outro órgão fiscalizador como, por exemplo, a Inspecção Regional das Actividades Económicas. Nós já temos aqui um processo proveniente da DECO, em Lisboa.
Tendo em conta que o Centro de Apoio ao Consumidor está ligado à Rede Europeia de Resolução Extra-Judicial de Conflitos de Consumo, qualquer turista que esteja a passar férias na Região pode reclamar, se se sentir lesado num direito, numa prestação de serviço ou na aquisição de um bem.
Quando chega ao país de origem pode dar entrada à reclamação, que irá ser reencaminhada para o Centro de Apoio ao Consumidor situado em Lisboa que, por sua vez, é reencaminhada para mediação. Se já tiver essa mediação, o processo é enviado para o centro de arbitragem.
Serviço do Funchal na rede europeia
A Comunidade Europeia já tem conhecimento da existência do centro de arbitragem da Madeira. Já enviamos os dados pedidos pelo Centro Europeu de Defesa do Consumidor e a qualquer momento podemos receber a resposta que, no fundo, é a aceitação. Depois vamos ter um logotipo para dizer que fazemos parte desse Centro Europeu.
JM — Estou-me a recordar do caso da Inglaterra onde senti que as pessoas já estão conscientes de que podem reclamar e quem presta um serviço, também, sabe que se não prestar bem poderá despoletar uma queixa, que é levada mesmo a "sério"…
FB — Há essa consciência devido à educação do consumidor. A sensibilização tem que começar nos bancos da escola e é isso que o Serviço de Defesa do Consumidor na Madeira tem feito. Penso que a mais-valia de um centro de arbitragem não é tanto pelo serviço disponível ao consumidor e o acesso à justiça pelo cidadão mas pelo desenvolvimento económico das empresas.
Quanto eu explico que é bom aderir ao centro de arbitragem respondem que tentam, sempre, resolver os problemas dentro da empresa. Por vezes até os resolvem, rapidamente, mesmo quando o consumidor não tem razão. Mas se esse conflito transitar para o tribunal arbitral, sabe-se que a decisão de um juíz é tomada com outra consciência do que, propriamente, quando é uma empresa que resolve o caso só para não ter problemas.
JM— Já houve recusas de adesão por parte das empresas tendo em vista a resolução de conflitos?
FB — Eu apenas tive a recusa de uma empresa. Há outras que já foram notificadas e, ainda, não responderam. Até ao momento, 33 empresas de diversos ramos de actividade e serviços já aderiram em pleno ao centro de arbitragem. (ver quadro abaixo transcrito).
Quanto às demais será a evidencia dos factos que as vai cativar, ou seja, quando a experiência de uma empresa for positiva, as restantes vão perder o medo porque, na maior parte das vezes faz-se justiça.
Na minha opinião acho que a Região ficou muito mais rica em termos sociais com este acesso à justiça porque é muito próxima do cidadão, quer do reclamante quer do reclamado. As pessoas vão poder sentar-se lado a lado e sentir que têm voz. Aqui, ainda, não houve nenhum julgamento. Estão três processos a aguardar julgamento.
JM — O Centro de Arbitragem era um serviço em falta na Região…
FB — Era um serviço em falta e é a concretização duma política do Governo Regional, que é de apoiar. Nas cidades muito desenvolvidas são as próprias empresas que financiam estes centros, a par dos governos e das autarquias. Na Região, o executivo chamou a si esse serviço porque o tecido empresarial não tem capacidade económica para suportar um custo destes.
Fase seguinte passa por sensibilizar os hotéis
JM — Este serviço é tão mais importante numa terra turística como a RAM…
FB — É muito importante. Há um trabalho que estamos a fazer e que tem que ser muito mais bem trabalhado ao longo deste ano, paralelamente, à resolução dos casos. Passa por sensibilizar os hotéis e todos os serviços que estejam relacionados com o Turismo porque o turista conhece os centros de arbitragem.
As agências de viagens, por exemplo, podem dizer nos contratos feitos com o turista que a RAM tem um centro de arbitragem e que, como prestadora do serviço, está inscrita. É um produto com marketing que faz a diferença. Isto porque em caso de haver reclamações e se não for possível a mediação, o consumidor sabe que o seu conflito de consumo vai ser dirimido num centro de arbitragem.
Nos tribunais comuns, as empresas vão obrigadas, aqui vêm voluntariamente. E fica muito mais barato para o Estado e para os consumidores porque um processo tem custas. E cá não há custas para ninguém.
Da mediação à arbitragem
JM — Falava há pouco que já existem três processo em Tribunal, e quanto aos restantes casos?
FB — O artigo 7º diz que apresentada a reclamação em julgamento deverá o centro de arbitragem procurar conciliar as partes. Esta é uma exigência da lei. A mediação é feita noutro serviço.
A conciliação passa por perguntarmos às pessoas se estão disponíveis para um acordo, caso contrário, transita para julgamento. O juíz recebe o processo, analisa, ouve as partes, as quais podem apresentar testemunhas e provas. O julgamento pode ser interrompido, se o juiz achar que tem que haver mais provas.
Dos casos que já efectuámos conseguimos seis conciliações. Houve desistência de cinco processos por parte do reclamante. No que concerne aos três processos em que não houve conciliação e que estão para julgamento, decorre a notificação às empresas.
Se aderirem, a situação fica resolvida em 30 dias, caso contrário, o processo demora mais tempo. É por isso muito importante que haja estas adesões plenas.
JM— Onde é que decorrem os julgamentos?
FB — Os julgamentos são feitos no centro de arbitragem, que é composto por duas áreas. O serviço jurídico que presta informação, estabelece contactos para aproximar as partes e procede à instauração dos processos de reclamação com vista à conciliação arbitral. E o Tribunal Arbitral, que é composto por um único árbitro, neste caso, foi designado o juíz Ferreira Neto (magistrado judicial designado pelo Conselho Superior de Magistratura)
JM — Que razões é que têm levado as pessoas/empresas a recorrem ao centro de arbitragem?
FB — São várias. Devido a serviços relativos a electrodomésticos, serviço de lavandaria, material informático, imóveis, automóveis, vestuário e calçado, gás, artigos para o lar e automóveis.
JM — Estas queixas são a que nível?
FB — Têm a ver com a má prestação de um serviço ou com um objecto defeituoso. Às vezes tem a ver com a garantia.
JM — Relativamente aos casos em que houve a conciliação, como é que decorreram os processos?
FB — Nos casos em que houve conciliação, o tal acordo, já foi lavrada a acta que foi homologada pelo juiz. Tem força de lei e tem que ser cumprida. Caso contrário, o tribunal comum executa a sentença.
JM — Isto significa que as pessoas estão a tomar mais consciência em relação aos seus direitos…
FB — Eu espero que comecem a tomar, apesar do número ser bastante positivo e termos empresas que souberam aproveitar o momento. Mas nós pretendemos que a maior parte adira.
JM — Vão ser divulgados panfletos de informação que visam chamar a atenção para a existência deste serviço…
FB — Sim. Nestes panfletos estão disponíveis várias informações. Num deles alerta-se as pessoas para que, nas empresas, procurem o símbolo do centro de arbitragem, o que significa que nesse local o consumidor está protegido aquando a prestação de bens e serviços.
Damos um autocolante que é afixado na montra ou no balcão. Vamos começar a distribuir pelas empresas que já aderiram.
JM — E em termos de sensibilização…
FB — A sensibilização tem sido feita porta a porta. É um trabalho mais moroso mas, também, já temos um grande número, é um bom sinal. Já enviámos mais de 100 convites às empresas, temos feito por áreas. Depois ficamos à espera que nos contactem.
Também no decorrer de uma reclamação, quando notificamos uma empresa, já perguntamos se pretende fazer uma adesão plena. Vai andar tipo bola de neve porque as pessoas vão começar a se aperceber das vantagens até porque existimos à muito pouco tempo. Em Lisboa dizem-nos que o número de empresas que aderiram que já é muito bom.
Serviços essenciais reticentes na adesão
JM — E quanto a necessidades…
FB — É necessário, por exemplo, que os bancos, os seguros, as empresas de construção, de venda de automóveis, as agências de viagens e as telecomunicações adiram. É muito importante.
JM — Quais as empresas cuja adesão é fundamental?
FB — As instituições bancárias, por exemplo. Não temos nenhum banco mas vamos tentar. Em Portugal continental, a adesão dos bancos, também, é difícil. Cada vez mais é necessário porque, além de prestarem um serviço, os bancos também, já vendem bens desde computadores a televisões.
Embora ainda não estejam a ver, o caminho é este porque não devem vender um bem sem estarem ligados a um centro de arbitragem. Isto tendo em conta que, hoje em dia, um serviço/bem está cada vez mais ligado a uma instituição de crédito e à representação de uma marca. É a chamada relação de consumo com vários prestadores que, em caso de conflito, complica o apuramento da responsabilidade.
Élia Freitas
Jornal da Madeira
19 março 2007
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