A mediação é uma técnica de solução de conflitos rápida, ágil, flexível e particularizada a cada caso
Assistimos, no mundo contemporâneo, a uma verdadeira falência dos estados nacionais para responderem às necessidades básicas das populações: alimentação, habitação, saúde, educação, transporte, segurança, geração de energia, telecomunicações.
Uma das características de nossa época é a procura de novas maneiras para se solucionar problemas antigos. A mudança do papel do Estado na solução dos problemas sociais é um dos fatos mais marcantes da história contemporânea.
Estamos assistindo à procura de novas maneiras de solucionar ou trabalhar as necessidades que os governos não conseguiram atender.
Os chamados três poderes – executivo, legislativo e judiciário – deverão sofrer profundas reformas, pois estão historicamente superados e totalmente desacreditados pelos cidadãos que custeiam esses sistemas. Os elevados custos operacionais e a corrupção provocam uma profunda insatisfação e revolta social.
O sistema judiciário
Como prevê a Teoria do Caos ou da Complexidade, da desordem surge uma nova ordem. O caos gerado pela incompetência dos estados nacionais está propiciando o aparecimento de novas formas de organizações. Dentre essas transformações, o questionamento do processo judiciário na solução dos conflitos sociais ocupa um lugar de destaque.
Torna-se necessária não apenas uma reforma do Judiciário (que é um órgão estatal com altos custos sociais) mas, também, a criação de novos mecanismos de resolução de conflitos sociais.
O excesso de regulamentação jurídica e a lentidão de sua atualização têm emperrado a dinâmica social.
Muitas das inovações se chocam com leis arcaicas e historicamente defasadas.
Muitas dessas leis são corporativistas e defendem apenas o interesse particular de certas classes sociais, grupos econômicos ou de diferentes profissões.
O sistema jurídico é tão regulamentado e com um processo tão burocratizado que conhecidos "facínoras" permanecem impunes, pois o julgamento e a condenação levam anos sem fim.
Esses são apenas alguns dos problemas causados pelo excesso de regulamentação, que ao invés de proteger o cidadão defende o privilégio dos membros das classes detentoras do poder econômico.
O segundo problema é de ordem cultural. Estamos há séculos acostumados com a tradição do autoritarismo e do paternalismo estatal que historicamente faz com que a solução de todos os problemas dependa do Estado.
A sociedade civil está reagindo e estão surgindo muitas ONGs extremamente interessantes: seja na educação sanitária, na defesa do meio ambiente, de ação comunitária e muitas outras.
Poderíamos citar vários outros exemplos, mas o que gostaríamos de enfatizar é que essas práticas estão criando uma nova mentalidade cultural; os cidadãos estão assumindo funções que tradicionalmente pertenciam aos governos.
Precisamos trabalhar em função da modernização da nossa cultura e da criação de novos valores e novas práticas sociais. Devemos desenvolver mecanismos de ação independentes dos governos para resolver certos problemas cotidianos.
Quanto mais complexa for a sociedade, maiores serão as possibilidades de se criar conflitos de interesses: familiares, empresariais, sociais, políticos, etc.
Novos problemas surgem e a legislação leva muito tempo para acompanhá-los e regulamentar as novas referências de ação social.
Um exemplo marcante é o dos problemas criados pela Internet, sejam de ordem ética, comercial, de privacidade e muitos outros que estão surgindo e que ainda não houve tempo hábil para serem regulamentados.
Tradicionalmente nos conflitos de interesse mais graves recorremos ao judiciário.
E aí nos deparamos com toda a burocracia já comentada. Tribunais, juízes, advogados, oficiais de justiça, despachantes, procedimentos intermináveis nas várias etapas e instâncias do processamento jurídico.
Desnecessário comentar os custos e o tempo gasto na solução de problemas, além dos aborrecimentos e os estressantes desgastes emocionais de todo o processo dos tribunais de justiça.
Os conflitos empresariais
Conflitos interpessoais, intersectoriais, desentendimentos com clientes e com fornecedores fazem parte do dia-a-dia das organizações. A conjuntura econômica criou ainda a disputa entre parceiros de joint ventures. Normalmente os empresários têm dificuldade de lidar com esses conflitos e perdem tempo e sinergia organizacional.
Há anos discuto, e não aceito como válido, o difundido postulado organizacional "administração de conflitos".
Sempre defendi que os conflitos devem ser trabalhados, minimizados ou, de preferência solucionados.
Penso que a expressão administrar conflitos equivaleria à postura médica de administrar a doença.
A doença deve ser curada ou minimizada e não administrada.
Os conflitos sociais devem ser administrados ou solucionados?
Essa é exatamente a revolucionária proposta da mediação organizacional.
Conflitos são desgastantes, estressantes, e não conheço pessoa que goste de viver em ambientes conturbados.
A motivação de nossas ações é reforçada pelo sentimento de vitória ou realização e o conflito nos dá uma sensação de fracasso, ou seja, é a antimotivação.
Discutindo com um conhecido empresário ouvi que a competição e os conflitos são os impulsionadores da evolução social.
Segundo ele, "é nas guerras que a tecnologia evolui. A medicina e a cirurgia evoluíram muito nas guerras e boa parte da evolução da tecnologia se deve aos conflitos bélicos".
Nem Darwin, em sua teoria do strogow for life, poderia ter imaginado tal barbaridade.
Esse grande empresário (hoje em regime falimentar) afirmava que era importante acirrar os conflitos organizacionais para poder observar os executivos mais capazes de enfrentar a natural competição social.
Os ambientes sociais historicamente oscilam entre a ordem e o caos.
É um absurdo preconizar que precisamos de guerras para evoluir, pois é justamente nos períodos de paz que se consolidam grandes transformações históricas e de aprimoramento social.
Lendo o livro "A Emoção e a Regra", de Domenico De Masi, onde o autor comenta 13 empresas de sucesso (que ao final do século passado e início desse século já aplicavam conceitos pós-modernos antes da modernidade), pude ver que a dinâmica dessas organizações era bem diferente dessas afirmações do darwinismo social.
Essas organizações citadas já aplicavam com sucesso muitos dos valores considerados atualmente de vanguarda: baixa competição interna, personalidades fortes sem autoritarismo ou estrelismo, abertura para inovações, equipes multifuncionais, grande sentimento de amizade entre seus membros, pouca burocracia e forte comprometimento com os resultados globais da organização sem competição intersectorial.
Na minha experiência como consultor nunca observei a competição interna como fator de crescimento.
Observei exatamente o contrário: conflitos de competição pelo poder sempre provocam perdas da sinergia organizacional e desgastes emocionais nos competidores internos.
Mediação
Revolucionariamente um mecanismo novo está surgindo, tentando ajudar na superação dessas tradições citadas.
Trata-se da criação de novos fóruns de discussão de nossos conflitos sociais e organizacionais.
Antes de apelarmos para os tribunais de justiça ou pedir a intervenção dos escalões da hierarquia, deveríamos utilizar outras maneiras de solucionar os conflitos interpessoais.
Estamos falando das recentes práticas de mediação.
Essas práticas revolucionárias nada mais são do que o retorno a costumes tribais, onde os conflitos eram abertamente discutidos e acertados entre as partes.
Esses costumes foram historicamente substituídos pela ação do estado.
A mediação começou a ser praticada nos EUA há cerca de trinta anos e hoje já é realizada em muitos países: Canadá, França, Espanha, Portugal, Inglaterra, Argentina, China e outros.
Muitos contratos internacionais e nacionais já têm cláusulas que prevêem a mediação e a arbitragem nos casos de conflitos de interesse.
O que é a mediação?
Mediação é um método extrajudicial de resolução de conflitos em que um terceiro, neutro e imparcial, mobiliza as partes em conflito para um acordo.
O mediador ajuda as partes a identificar, discutir e resolver as questões do conflito, transformando o paradigma adversarial em cooperativo.
Por meio de técnicas específicas, dividindo características com a psicologia e negociações legais, o mediador ajuda as partes a restabelecerem o processo de comunicação e a avaliarem objetivos e opções, conduzindo a um termo de entendimento para mútua satisfação.
Desta forma, não é um procedimento impositivo, não tendo o mediador, ao contrário de outros métodos (arbitragem ou tribunais, por exemplo), nenhum poder de decisão sobre as partes.
Estas decidirão todos os aspectos em questão, facilitadas pelo mediador, mantendo assim autonomia e controle das decisões pertinentes ao seu caso.
O acordo resultante, de mútuo consentimento, poderá ser formalizado em termos de contrato legal.
A mediação é uma técnica de solução de conflitos rápida, ágil, flexível e particularizada a cada caso.
As pesquisas mundiais de resultados da utilização da mediação apontam para um número cada vez maior de campos e atuações.
Quais são as vantagens dessa nova prática?
Rapidez no processo, pois são as partes que negociam a duração da mediação.
Como as partes participam ativamente do processo, elas podem marcar as datas ou ditar o ritmo dos processos.
O mediador apenas controla a velocidade do combinado pelos participantes, que podem replanejá-lo de acordo com o desenvolvimento dos trabalhos.
Os desgastes emocionais são infinitamente menores por vários aspectos: não se estimula as contradições e nem se procura desmentir os implicados.
Ao contrário, procura-se clarear as diferentes percepções dos envolvidos sem que essas sejam desqualificadas.
Sabemos que os seres humanos podem perceber diferentes aspectos da mesma questão sem que uma das partes esteja "mentindo".
Conflitos podem ser causados exatamente pelas diferentes percepções carregadas de emoções não integradas.
Na prática da mediação, ao contrário dos sistemas clássicos, as emoções podem ser explicitadas e trabalhadas no sentido de se obter melhor diálogo entre as partes.
A participação ativa dos envolvidos nos debates ajuda os participantes a discutirem abertamente suas opiniões, sentimentos e emoções, criando condições de manutenção de boas relações sociais após a mediação.
Normalmente há uma tendência das partes de romperem traumaticamente suas relações após as sentenças judiciais ou acordos mal negociados.
Pessoalmente, já participei de uma desgastante separação de uma sociedade de engenharia em que as partes continuaram com um bom relacionamento social em decorrência da mediação no processo, coisa que dificilmente teria acontecido se tivessem passado pelo processo judicial tradicional.
Privacidade das informações: os debates são confidenciais e os mediadores não podem posteriormente serem usados como testemunhas em eventuais processos, no caso de não haver acordo no período da mediação.
Nas ações tradicionais, toda documentação ou discussão tem de ser de domínio público, o que pode provocar situações profundamente constrangedoras quando se trata de informações muito privativas ou que têm a ver com a intimidade psicológica dos participantes, que podem se sentir "desnudados".
Como os mediadores são escolhidos em comum acordo pelas partes, elas também podem suspender o processo a qualquer instante, se acharem que o mediador não está sendo hábil na condução dos trabalhos.
Penso que essa nova prática da mediação será bem recebida pela sociedade brasileira. Principalmente nos meios empresariais tenho sentido uma imensa aceitação da idéia. Há anos trabalho com técnicas similares, mas com a mesma filosofia da mediação, na solução de conflitos organizacionais e sempre com excelentes resultados.
Penso que essas práticas serão largamente utilizadas pelas organizações em seus conflitos internos, bem como nos seus problemas com sócios, parceiros, clientes ou com fornecedores. Para a maioria dos conflitos organizacionais os mediadores poderão solucionar as divergências sem a necessidade de apelar para o judiciário.
Ao invés de estimular os lítigios, mediadores trabalham em clima de negociação e entendimento entre as partes. Diagnósticos, prognósticos, contratos psicológicos, negociação e formalização de propostas serão discutidas abertamente até se chegar a um consenso grupal.
O papel do mediador é o de facilitador do processo.
Milton de Oliveira, fundador da Mediar - Profissionais de Mediação.
E-mail: camo@camo.com.br
GESTÃO PLUS Nº 12 - JAN/FEV 2000 - PÁGINAS 26 a 30
14 novembro 2006
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