Procurando dar executoriedade ao art. 10º da Decisão-Quadro n.º 2001/220/JAI de 15 de Março de 2001, bem como à Recomendação n.º (99)19 do Conselho da Europa, foi recentemente aprovada, em Conselho de Ministros, uma Proposta de Lei que pretende criar um regime de mediação no processo penal português, surgida no contexto do inegável sucesso alcançado com as experiências de mediação actualmente existentes no nosso país, nomeadamente a realizada no âmbito dos Julgados de Paz.
03-11-2006, Inês Oom de Sacadura
Procurando dar executoriedade ao art. 10º da Decisão-Quadro n.º 2001/220/JAI de 15 de Março de 2001, bem como à Recomendação n.º (99)19 do Conselho da Europa, foi recentemente aprovada, em Conselho de Ministros, uma Proposta de Lei que pretende criar um regime de mediação no processo penal português, surgida no contexto do inegável sucesso alcançado com as experiências de mediação actualmente existentes no nosso país, nomeadamente a realizada no âmbito dos Julgados de Paz.
Pretende-se, com este projecto, criar um regime experimental em comarcas a designar, com base num processo informal e flexível, de carácter voluntário e confidencial, conduzido por um terceiro imparcial – o mediador- que procurará promover a aproximação entre arguido e ofendido, com o objectivo de os mesmos alcançarem um acordo tendente a reparar os danos causados pelo facto ilícito.
Este meio de resolução do litígio apenas abrangerá os crimes puníveis com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão, estando, definitivamente, excluídos os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, bem como aqueles em que a vítima tenha idade inferior a 16 anos ou seja uma pessoa colectiva.
Tal processo de mediação não aparece, contudo, como um processo alternativo, como se tem assistido até aqui, vindo, antes, “enxertado” no processo penal comum, como uma fase suplementar do mesmo, garantindo-se, assim, a sua efectiva aplicação.
De facto, se esta fosse uma faculdade dada às partes, implicaria, necessariamente, não só uma alteração dos prazos previstos para a apresentação da queixa-crime (que teriam que ser estendidos enquanto aquela durasse), como, também, a restrição de tal procedimento aos crimes que dependessem de queixa, uma vez que, nos crimes públicos, o Princípio da Legalidade obrigaria a que houvesse sempre um processo penal.
Vejamos, então, como se processará esta nova fase do ilícito criminal, começando pelos chamados crimes públicos, ou seja, aqueles que não dependem de queixa para que seja despoletado o respectivo processo criminal.
Encerrada a fase de Inquérito, e caso tenham sido recolhidos indícios suficientes de que efectivamente foi praticado o crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público (MP) poderá, então, remeter o processo para mediação.
Para tal, designará um mediador da lista a organizar pelo Ministério da Justiça, o qual deverá ter mais que 25 anos, estar no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, ter licenciatura ou experiência profissional adequadas, estar habilitado com um curso de mediação penal adequado e ser pessoa idónea para o exercício de tal actividade, remetendo-lhe a informação que entenda essencial sobre arguido e ofendido, juntamente com uma descrição sumária do processo.
Após nomeação, o mediador contactará ambas as partes, esclarecendo-as quanto à participação na mediação, tendo estas que prestar o seu consentimento livre e esclarecido quanto à efectivação desta última.
Caso as partes estejam de acordo em prosseguir com este procedimento, o processo penal será suspenso provisoriamente, devendo chegar-se a um entendimento no prazo máximo de três meses.
Caso as partes optem por não recorrer à mediação, ou não seja possível obter qualquer acordo no prazo previsto, o processo prosseguirá, então, os termos legais previstos.
Relativamente aos crimes particulares em sentido lato, ou seja, todos aqueles que dependam de queixa, a faculdade anteriormente dada ao MP de submeter o processo à mediação, passa agora a ser uma obrigação, ou um verdadeiro pressuposto processual.
Os trâmites e pressupostos mantêm-se, com a diferença de o acordo, nestes casos, equivaler a uma desistência de queixa por parte do ofendido e a uma não oposição do arguido. Caso o acordo não seja respeitado, o ofendido poderá, em excepção ao art. 116º, n.º 2 do Código Penal, no prazo de um mês, renovar a queixa.
Em ambos os casos, o conteúdo do acordo alcançado será livremente fixado pelas partes, não podendo, no entanto, incluir-se quaisquer sanções privativas da liberdade ou deveres que ofendam a dignidade do arguido.
Os deveres impostos ao arguido não se deverão prolongar por mais de dois anos ou 6 meses, consoante se trate de um crime público ou particular, respectivamente.
O processo será de mediação directa, não se permitindo, portanto, a representação das partes (daí se excluírem os crimes em que uma das partes seja uma pessoa colectiva), podendo estas, no entanto, fazer-se acompanhar por advogado.
A solução que, aparentemente, fará todo o sentido, não deixa, contudo, de levantar matéria de controvérsia.
De facto, e no limite, mesmo tendo em conta os parâmetros que indicam quais os crimes que poderão estar sujeitos a este regime, passará a ser possível recorrer à mediação perante um crime de Ofensa à Integridade Física Simples, do qual resulte a morte de uma pessoa, uma vez que é punível com pena não superior a cinco anos, bem como de Maus Tratos, Abuso de Confiança, Burla, Extorsão, Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Propagação de Doença por Negligência, Associação Criminosa...
Ora, muitos destes crimes, ao que parece, pretendem proteger bens jurídicos que não tendem a ser “negociáveis”...
Ou será, ainda, exigível que a vítima do crime de Tortura se tenha que preocupar em não estabelecer um acordo que “ofenda a dignidade do arguido”?... Apostar na celeridade processual e descongestionamento dos tribunais sim, mas com conta, peso e medida.
Semanário Económico 10-16 Novº
13 novembro 2006
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