Contra a retirada da litigância dos tribunais e a privatização do processo de cobrança do crédito, António Marinho Pinto diz que os mais pobres saem prejudicados e que a criminalidade aumenta.
O recém-eleito bastonário dos advogados pede ainda transparência nos contratos do Estado com os grandes escritórios de advocacia
Diário de Coimbra – Ganhou a candidatura dos “descamisados”?
António Marinho Pinto – Essa é uma expressão infeliz, que não corresponde a nenhuma forma adequada de caracterizar a advocacia portuguesa.
Foi usada por um professor da Faculdade de Direito de Lisboa [Marcelo Rebelo de Sousa] com o intuito de desqualificar uma parte da advocacia portuguesa.
Há advogados portugueses que têm dificuldades, sobretudo os jovens que estão a começar, porque não há clientes, nem patrocínio oficioso para todos.
Combater a “desjudicialização” da Justiça foi um “slogan” seu. Como se propõe devolver a justiça aos tribunais quando estão previstos mais julgados de paz e mais centros de mediação de conflitos?
Isso não é um slogan meu. É uma linha de actuação cheia de conteúdo. Só nos tribunais é que se garante verdadeira justiça. Uma justiça feita sem que as partes estejam representadas por advogados é uma farsa.
A parte mais frágil economicamente e culturalmente sairá sempre prejudicada desses centros de mediação e desses julgados de paz. Os centros de mediação devem ser usados quando são procurados pelas partes. Não quando são impostos pelo Estado. Porque se as pessoas vão para Tribunal é porque não se entenderam e, justamente, para que o Estado (o Tribunal) dite a solução justa.
Mas não há que aliviar a carga de processos nos tribunais e de combater a lentidão da Justiça?
É necessário criar condições para responder à crescente procura da Justiça. Nós temos paradigmas medievais no funcionamento da Justiça, absolutamente inadequados para os tempos de hoje.
A Justiça funciona segundo uma lógica de poder. É preciso que seja entendida como um serviço público que se presta. O que está a acontecer hoje com este processo de desjudicialização é que está a aumentar uma criminalidade enorme na sociedade portuguesa.
Hoje, vemos pessoas que, para cobrar dívidas, contratam “gangsters” que vão sequestrar os devedores. Há pessoas presas por ameaçar e espancar devedores.
Que soluções?
Nós vivemos numa democracia e o Governo pagará caro politicamente estas opções, porque está a mutilar a cidadania. Hoje, não se pode vender a crédito, porque não há garantia, nem meios, para fazer o comprador pagar as prestações se o não quiser.
O país está a transformar-se num paraíso de caloteiros, porque os tribunais deixaram de fazer esse segmento da administração da Justiça.
O que se passou com a acção executiva foi um desastre. Foi a privatização de um segmento do Direito Civil que é o mais importante no processo de cobrança de um crédito.
São solicitadores, hoje, que muitas vezes recorrem a seguranças privados para apreender bens. Entram pela propriedade alheia e fazem as maiores agressões ao Direito.
É gravíssimo que isto tenha acontecido, promovido pelo Governo com esta ânsia liberalizadora de descongestionar e aliviar os tribunais. Com um intuito economicista e outro de satisfazer reivindicações sindicais das magistraturas.
A sua acutilância verbal de campanha não acaba com a eleição para bastonário.Eu sou quem sou. Tenho 57 anos, nunca injuriei, nem ofendi ninguém. Há muita gente que se sente incomodada com o que eu digo, porque o que eu digo é verdade. E vou continuar a dizer. Não falarei em nome próprio, mas em nome da Ordem.
Como vai ser a relação do bastonário com as magistraturas, que tanto criticou, o que lhe valeu a demissão da Comissão de Direitos Humanos da Ordem?
Foi uma fraqueza do então bastonário Dr. José Miguel Júdice. Estava muito empenhado num espectáculo mediático a que chamou Congresso da Justiça e sacrificou um dos seus mais leais e empenhados colaboradoras para tentar levar à frente essa encenação. Aquilo nunca foi um congresso da Justiça, mas um congresso das corporações da Justiça.
A ver o que cada um repartia mais entre si: mais privilégios, mais poder, mais dinheiro do Estado.
Mas a minha relação com as magistraturas vai ser óptima. Os senhores magistrados e as suas organizações sabem o que eu penso. E sabem o que nos separa. Vamos encontrar, agora, aquilo que nos une. Há muitas coisas nas quais podemos cooperar. Há uma coisa só que eu exijo e que para mim é sagrada: respeito pelos advogados.
Mostrou-se contra a paralisação do patrocínio oficioso se os defensores não forem pagos atempadamente. Como pretende ajudar os “parentes pobres” da classe?
A ideia de paralisação é abominável para um verdadeiro advogado. Vamos fazer greve contra os nossos constituintes? Contra as pessoas que defendemos, que não têm dinheiro para constituir um advogado? Agora, o Estado tem de assumir os seus compromissos e pagar os honorários atempadamente.
De que atrasos se está a falar?
Os atrasos não são muitos. Poderá haver um caso ou outro. Ao contrário do que foi propalado na campanha eleitoral, a dívida hoje é insignificante comparando com o que já foi.
Mas, seja o que for, o Estado tem de pagar a tempo. O Governo gasta muito dinheiro por ano, em honorários de advogados de grandes escritórios de Lisboa e Porto, e ninguém sabe quanto, nem a que serviços corresponde.
Não pode atrasar-se no pagamento de honorários daqueles milhares de colegas que por todo o país garantem uma dimensão essencial do Estado de Direito, que é o acesso à Justiça por parte dos cidadãos que não têm recursos económicos para contratar advogados.
Hoje, quase só os ricos têm dinheiro para pagar custas judiciais e advogados.
Uma pessoa da classe média, que ganhe até 1.500 a dois mil euros por mês, dificilmente poderá ir a tribunal para defender direitos em diversas acções.
Porque tem de pagar as usurárias custas judiciais, que foram aumentadas “n” vezes, justamente para afastar as pessoas do Tribunal.
O Estado tem andado a vender a Justiça como se fosse um bem de luxo.
Como vai ser a postura do novo bastonário em relação aos grandes escritórios de advogados?De colaboração. São colegas. Vou procurar dignificar esse sector da advocacia portuguesa.
Não tem havido alguma rivalidade da sua parte?
Eu faço críticas aos grandes como aos pequenos escritórios.
Relativamente aos grandes escritórios, eu quero duas coisas.
Primeiro, que haja transparência no relacionamento do Estado com os grandes escritórios.
O Estado deve contratar escritórios por concurso público, como adjudica empreitadas.
E há serviços jurídicos que custam mais do que algumas empreitadas. Eu quero saber quanto é que se paga aos advogados que prestam assessoria jurídica ao Instituto de Estradas de Portugal, a grandes contratos do Estado para aquisição de armamento para o Exército, para aquisição de submarinos, de helicópteros...
Isto deve ser publicitado e devem concorrer os escritórios que quiserem e não só aqueles que o Estado escolhe.
E a segunda coisa?
Outra questão é a contratação de advogados. Vou tentar criar, no âmbito da Ordem, um regulamento para contratação que imponha regras a ambas as partes.
Quero que os advogados sejam sempre contratados por contrato escrito, que seja um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho, para o advogado manter a autonomia técnico-jurídica e não ficar subordinado a uma entidade patronal.
Os advogados não são patrões e empregados uns dos outros. São sempre colegas.
“Hoje, as universidades estão a enganar os jovens”
Há advogados a mais. É preciso dignificar a classe. Portanto, vai de limitar o número de estágios de acesso à profissão.
Temos de limitar.
Não podem entrar dois mil advogados por ano na Ordem. Não há possibilidade.
A Ordem em cerca de 20 anos passou de cinco mil para quase 30 mil advogados.
Quais serão os critérios?
Têm de ser critérios democráticos, que garantam que tanto entra na Ordem o filho do professor catedrático, como o filho de um pescador ou de um operário.
Desde que tenha qualidades para ser bom advogado.
Teremos de analisar bem esta questão.
Há muito interesses legítimos e respeitáveis envolvidos.
Quero é definir um rácio entre as necessidades sociais do patrocínio forense e o número de advogados no mercado.
Na Finlândia existe um advogado para cada 6 mil habitantes. Na Áustria um para cada 4.200. Em França, por cada 1.800 habitantes.
Em Portugal existe um advogado por cada 380 habitantes. É impossível manter isto.
A Ordem poderá limitar no acesso à profissão, não no acesso aos cursos de Direito.
Bastava em Portugal haver cinco faculdades de Direito.
Nós temos 26 cursos. Isto foi um negócio que explorou sem escrúpulos as ilusões e as esperanças de um sector da juventude portuguesa numa sociedade em crise.
A maioria dos licenciados em Direito encontra saídas profissionais que não têm nada a ver com a formação académica que tiveram.
Ou são jornalistas, ou vão dar aulas, ou trabalhar em funções indiferenciadas.
Não deve ser o mercado a funcionar?
O mercado pode funcionar quando se trata de escolher sapatos...
O senhor é professor de Jornalismo, área onde acontece algo de semelhante. Não há saídas profissionais.
E os licenciados em Jornalismo e em Comunicação Social estão a fazer biscates aqui e acolá ou a trabalhar nos supermercados, ou noutras coisas que não têm nada a ver com aquilo que estudaram.
Isso foi outro negócio que se fez, das universidade privadas, no qual o poder político participou e condescendeu.
No caso do Direito, temos de procurar que as universidades respondam às necessidades reais da sociedade e não haja cursos para responder a necessidades dos professores dessas faculdades e a privilégios de que esses professores não querem abdicar.
Hoje, as universidades, incluindo as públicas, captam alunos através de publicidade comercial paga nos órgãos de informação. Estão a enganar os jovens.
Carlo Santos
Diário de Coimbra On-Line
10 dezembro 2007
“O país está a transformar-se num paraíso de caloteiros”
“O país está a transformar-se num paraíso de caloteiros”
Contra a retirada da litigância dos tribunais e a privatização do processo de cobrança do crédito, António Marinho Pinto diz que os mais pobres saem prejudicados e que a criminalidade aumenta.
O recém-eleito bastonário dos advogados pede ainda transparência nos contratos do Estado com os grandes escritórios de advocacia
Diário de Coimbra – Ganhou a candidatura dos “descamisados”?
António Marinho Pinto – Essa é uma expressão infeliz, que não corresponde a nenhuma forma adequada de caracterizar a advocacia portuguesa.
Foi usada por um professor da Faculdade de Direito de Lisboa [Marcelo Rebelo de Sousa] com o intuito de desqualificar uma parte da advocacia portuguesa.
Há advogados portugueses que têm dificuldades, sobretudo os jovens que estão a começar, porque não há clientes, nem patrocínio oficioso para todos.
Combater a “desjudicialização” da Justiça foi um “slogan” seu. Como se propõe devolver a justiça aos tribunais quando estão previstos mais julgados de paz e mais centros de mediação de conflitos?
Isso não é um slogan meu. É uma linha de actuação cheia de conteúdo. Só nos tribunais é que se garante verdadeira justiça. Uma justiça feita sem que as partes estejam representadas por advogados é uma farsa.
A parte mais frágil economicamente e culturalmente sairá sempre prejudicada desses centros de mediação e desses julgados de paz. Os centros de mediação devem ser usados quando são procurados pelas partes. Não quando são impostos pelo Estado. Porque se as pessoas vão para Tribunal é porque não se entenderam e, justamente, para que o Estado (o Tribunal) dite a solução justa.
Mas não há que aliviar a carga de processos nos tribunais e de combater a lentidão da Justiça?
É necessário criar condições para responder à crescente procura da Justiça. Nós temos paradigmas medievais no funcionamento da Justiça, absolutamente inadequados para os tempos de hoje.
A Justiça funciona segundo uma lógica de poder. É preciso que seja entendida como um serviço público que se presta. O que está a acontecer hoje com este processo de desjudicialização é que está a aumentar uma criminalidade enorme na sociedade portuguesa.
Hoje, vemos pessoas que, para cobrar dívidas, contratam “gangsters” que vão sequestrar os devedores. Há pessoas presas por ameaçar e espancar devedores.
Que soluções?
Nós vivemos numa democracia e o Governo pagará caro politicamente estas opções, porque está a mutilar a cidadania. Hoje, não se pode vender a crédito, porque não há garantia, nem meios, para fazer o comprador pagar as prestações se o não quiser.
O país está a transformar-se num paraíso de caloteiros, porque os tribunais deixaram de fazer esse segmento da administração da Justiça.
O que se passou com a acção executiva foi um desastre. Foi a privatização de um segmento do Direito Civil que é o mais importante no processo de cobrança de um crédito.
São solicitadores, hoje, que muitas vezes recorrem a seguranças privados para apreender bens. Entram pela propriedade alheia e fazem as maiores agressões ao Direito.
É gravíssimo que isto tenha acontecido, promovido pelo Governo com esta ânsia liberalizadora de descongestionar e aliviar os tribunais. Com um intuito economicista e outro de satisfazer reivindicações sindicais das magistraturas.
A sua acutilância verbal de campanha não acaba com a eleição para bastonário.Eu sou quem sou. Tenho 57 anos, nunca injuriei, nem ofendi ninguém. Há muita gente que se sente incomodada com o que eu digo, porque o que eu digo é verdade. E vou continuar a dizer. Não falarei em nome próprio, mas em nome da Ordem.
Como vai ser a relação do bastonário com as magistraturas, que tanto criticou, o que lhe valeu a demissão da Comissão de Direitos Humanos da Ordem?
Foi uma fraqueza do então bastonário Dr. José Miguel Júdice. Estava muito empenhado num espectáculo mediático a que chamou Congresso da Justiça e sacrificou um dos seus mais leais e empenhados colaboradoras para tentar levar à frente essa encenação. Aquilo nunca foi um congresso da Justiça, mas um congresso das corporações da Justiça.
A ver o que cada um repartia mais entre si: mais privilégios, mais poder, mais dinheiro do Estado.
Mas a minha relação com as magistraturas vai ser óptima. Os senhores magistrados e as suas organizações sabem o que eu penso. E sabem o que nos separa. Vamos encontrar, agora, aquilo que nos une. Há muitas coisas nas quais podemos cooperar. Há uma coisa só que eu exijo e que para mim é sagrada: respeito pelos advogados.
Mostrou-se contra a paralisação do patrocínio oficioso se os defensores não forem pagos atempadamente. Como pretende ajudar os “parentes pobres” da classe?
A ideia de paralisação é abominável para um verdadeiro advogado. Vamos fazer greve contra os nossos constituintes? Contra as pessoas que defendemos, que não têm dinheiro para constituir um advogado? Agora, o Estado tem de assumir os seus compromissos e pagar os honorários atempadamente.
De que atrasos se está a falar?
Os atrasos não são muitos. Poderá haver um caso ou outro. Ao contrário do que foi propalado na campanha eleitoral, a dívida hoje é insignificante comparando com o que já foi.
Mas, seja o que for, o Estado tem de pagar a tempo. O Governo gasta muito dinheiro por ano, em honorários de advogados de grandes escritórios de Lisboa e Porto, e ninguém sabe quanto, nem a que serviços corresponde.
Não pode atrasar-se no pagamento de honorários daqueles milhares de colegas que por todo o país garantem uma dimensão essencial do Estado de Direito, que é o acesso à Justiça por parte dos cidadãos que não têm recursos económicos para contratar advogados.
Hoje, quase só os ricos têm dinheiro para pagar custas judiciais e advogados.
Uma pessoa da classe média, que ganhe até 1.500 a dois mil euros por mês, dificilmente poderá ir a tribunal para defender direitos em diversas acções.
Porque tem de pagar as usurárias custas judiciais, que foram aumentadas “n” vezes, justamente para afastar as pessoas do Tribunal.
O Estado tem andado a vender a Justiça como se fosse um bem de luxo.
Como vai ser a postura do novo bastonário em relação aos grandes escritórios de advogados?De colaboração. São colegas. Vou procurar dignificar esse sector da advocacia portuguesa.
Não tem havido alguma rivalidade da sua parte?
Eu faço críticas aos grandes como aos pequenos escritórios.
Relativamente aos grandes escritórios, eu quero duas coisas.
Primeiro, que haja transparência no relacionamento do Estado com os grandes escritórios.
O Estado deve contratar escritórios por concurso público, como adjudica empreitadas.
E há serviços jurídicos que custam mais do que algumas empreitadas. Eu quero saber quanto é que se paga aos advogados que prestam assessoria jurídica ao Instituto de Estradas de Portugal, a grandes contratos do Estado para aquisição de armamento para o Exército, para aquisição de submarinos, de helicópteros...
Isto deve ser publicitado e devem concorrer os escritórios que quiserem e não só aqueles que o Estado escolhe.
E a segunda coisa?
Outra questão é a contratação de advogados. Vou tentar criar, no âmbito da Ordem, um regulamento para contratação que imponha regras a ambas as partes.
Quero que os advogados sejam sempre contratados por contrato escrito, que seja um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho, para o advogado manter a autonomia técnico-jurídica e não ficar subordinado a uma entidade patronal.
Os advogados não são patrões e empregados uns dos outros. São sempre colegas.
“Hoje, as universidades estão a enganar os jovens”
Há advogados a mais. É preciso dignificar a classe. Portanto, vai de limitar o número de estágios de acesso à profissão.
Temos de limitar.
Não podem entrar dois mil advogados por ano na Ordem. Não há possibilidade.
A Ordem em cerca de 20 anos passou de cinco mil para quase 30 mil advogados.
Quais serão os critérios?
Têm de ser critérios democráticos, que garantam que tanto entra na Ordem o filho do professor catedrático, como o filho de um pescador ou de um operário.
Desde que tenha qualidades para ser bom advogado.
Teremos de analisar bem esta questão.
Há muito interesses legítimos e respeitáveis envolvidos.
Quero é definir um rácio entre as necessidades sociais do patrocínio forense e o número de advogados no mercado.
Na Finlândia existe um advogado para cada 6 mil habitantes. Na Áustria um para cada 4.200. Em França, por cada 1.800 habitantes.
Em Portugal existe um advogado por cada 380 habitantes. É impossível manter isto.
A Ordem poderá limitar no acesso à profissão, não no acesso aos cursos de Direito.
Bastava em Portugal haver cinco faculdades de Direito.
Nós temos 26 cursos. Isto foi um negócio que explorou sem escrúpulos as ilusões e as esperanças de um sector da juventude portuguesa numa sociedade em crise.
A maioria dos licenciados em Direito encontra saídas profissionais que não têm nada a ver com a formação académica que tiveram.
Ou são jornalistas, ou vão dar aulas, ou trabalhar em funções indiferenciadas.
Não deve ser o mercado a funcionar?
O mercado pode funcionar quando se trata de escolher sapatos...
O senhor é professor de Jornalismo, área onde acontece algo de semelhante. Não há saídas profissionais.
E os licenciados em Jornalismo e em Comunicação Social estão a fazer biscates aqui e acolá ou a trabalhar nos supermercados, ou noutras coisas que não têm nada a ver com aquilo que estudaram.
Isso foi outro negócio que se fez, das universidade privadas, no qual o poder político participou e condescendeu.
No caso do Direito, temos de procurar que as universidades respondam às necessidades reais da sociedade e não haja cursos para responder a necessidades dos professores dessas faculdades e a privilégios de que esses professores não querem abdicar.
Hoje, as universidades, incluindo as públicas, captam alunos através de publicidade comercial paga nos órgãos de informação. Estão a enganar os jovens.
Carlo Santos
Diário de Coimbra On-Line
Contra a retirada da litigância dos tribunais e a privatização do processo de cobrança do crédito, António Marinho Pinto diz que os mais pobres saem prejudicados e que a criminalidade aumenta.
O recém-eleito bastonário dos advogados pede ainda transparência nos contratos do Estado com os grandes escritórios de advocacia
Diário de Coimbra – Ganhou a candidatura dos “descamisados”?
António Marinho Pinto – Essa é uma expressão infeliz, que não corresponde a nenhuma forma adequada de caracterizar a advocacia portuguesa.
Foi usada por um professor da Faculdade de Direito de Lisboa [Marcelo Rebelo de Sousa] com o intuito de desqualificar uma parte da advocacia portuguesa.
Há advogados portugueses que têm dificuldades, sobretudo os jovens que estão a começar, porque não há clientes, nem patrocínio oficioso para todos.
Combater a “desjudicialização” da Justiça foi um “slogan” seu. Como se propõe devolver a justiça aos tribunais quando estão previstos mais julgados de paz e mais centros de mediação de conflitos?
Isso não é um slogan meu. É uma linha de actuação cheia de conteúdo. Só nos tribunais é que se garante verdadeira justiça. Uma justiça feita sem que as partes estejam representadas por advogados é uma farsa.
A parte mais frágil economicamente e culturalmente sairá sempre prejudicada desses centros de mediação e desses julgados de paz. Os centros de mediação devem ser usados quando são procurados pelas partes. Não quando são impostos pelo Estado. Porque se as pessoas vão para Tribunal é porque não se entenderam e, justamente, para que o Estado (o Tribunal) dite a solução justa.
Mas não há que aliviar a carga de processos nos tribunais e de combater a lentidão da Justiça?
É necessário criar condições para responder à crescente procura da Justiça. Nós temos paradigmas medievais no funcionamento da Justiça, absolutamente inadequados para os tempos de hoje.
A Justiça funciona segundo uma lógica de poder. É preciso que seja entendida como um serviço público que se presta. O que está a acontecer hoje com este processo de desjudicialização é que está a aumentar uma criminalidade enorme na sociedade portuguesa.
Hoje, vemos pessoas que, para cobrar dívidas, contratam “gangsters” que vão sequestrar os devedores. Há pessoas presas por ameaçar e espancar devedores.
Que soluções?
Nós vivemos numa democracia e o Governo pagará caro politicamente estas opções, porque está a mutilar a cidadania. Hoje, não se pode vender a crédito, porque não há garantia, nem meios, para fazer o comprador pagar as prestações se o não quiser.
O país está a transformar-se num paraíso de caloteiros, porque os tribunais deixaram de fazer esse segmento da administração da Justiça.
O que se passou com a acção executiva foi um desastre. Foi a privatização de um segmento do Direito Civil que é o mais importante no processo de cobrança de um crédito.
São solicitadores, hoje, que muitas vezes recorrem a seguranças privados para apreender bens. Entram pela propriedade alheia e fazem as maiores agressões ao Direito.
É gravíssimo que isto tenha acontecido, promovido pelo Governo com esta ânsia liberalizadora de descongestionar e aliviar os tribunais. Com um intuito economicista e outro de satisfazer reivindicações sindicais das magistraturas.
A sua acutilância verbal de campanha não acaba com a eleição para bastonário.Eu sou quem sou. Tenho 57 anos, nunca injuriei, nem ofendi ninguém. Há muita gente que se sente incomodada com o que eu digo, porque o que eu digo é verdade. E vou continuar a dizer. Não falarei em nome próprio, mas em nome da Ordem.
Como vai ser a relação do bastonário com as magistraturas, que tanto criticou, o que lhe valeu a demissão da Comissão de Direitos Humanos da Ordem?
Foi uma fraqueza do então bastonário Dr. José Miguel Júdice. Estava muito empenhado num espectáculo mediático a que chamou Congresso da Justiça e sacrificou um dos seus mais leais e empenhados colaboradoras para tentar levar à frente essa encenação. Aquilo nunca foi um congresso da Justiça, mas um congresso das corporações da Justiça.
A ver o que cada um repartia mais entre si: mais privilégios, mais poder, mais dinheiro do Estado.
Mas a minha relação com as magistraturas vai ser óptima. Os senhores magistrados e as suas organizações sabem o que eu penso. E sabem o que nos separa. Vamos encontrar, agora, aquilo que nos une. Há muitas coisas nas quais podemos cooperar. Há uma coisa só que eu exijo e que para mim é sagrada: respeito pelos advogados.
Mostrou-se contra a paralisação do patrocínio oficioso se os defensores não forem pagos atempadamente. Como pretende ajudar os “parentes pobres” da classe?
A ideia de paralisação é abominável para um verdadeiro advogado. Vamos fazer greve contra os nossos constituintes? Contra as pessoas que defendemos, que não têm dinheiro para constituir um advogado? Agora, o Estado tem de assumir os seus compromissos e pagar os honorários atempadamente.
De que atrasos se está a falar?
Os atrasos não são muitos. Poderá haver um caso ou outro. Ao contrário do que foi propalado na campanha eleitoral, a dívida hoje é insignificante comparando com o que já foi.
Mas, seja o que for, o Estado tem de pagar a tempo. O Governo gasta muito dinheiro por ano, em honorários de advogados de grandes escritórios de Lisboa e Porto, e ninguém sabe quanto, nem a que serviços corresponde.
Não pode atrasar-se no pagamento de honorários daqueles milhares de colegas que por todo o país garantem uma dimensão essencial do Estado de Direito, que é o acesso à Justiça por parte dos cidadãos que não têm recursos económicos para contratar advogados.
Hoje, quase só os ricos têm dinheiro para pagar custas judiciais e advogados.
Uma pessoa da classe média, que ganhe até 1.500 a dois mil euros por mês, dificilmente poderá ir a tribunal para defender direitos em diversas acções.
Porque tem de pagar as usurárias custas judiciais, que foram aumentadas “n” vezes, justamente para afastar as pessoas do Tribunal.
O Estado tem andado a vender a Justiça como se fosse um bem de luxo.
Como vai ser a postura do novo bastonário em relação aos grandes escritórios de advogados?De colaboração. São colegas. Vou procurar dignificar esse sector da advocacia portuguesa.
Não tem havido alguma rivalidade da sua parte?
Eu faço críticas aos grandes como aos pequenos escritórios.
Relativamente aos grandes escritórios, eu quero duas coisas.
Primeiro, que haja transparência no relacionamento do Estado com os grandes escritórios.
O Estado deve contratar escritórios por concurso público, como adjudica empreitadas.
E há serviços jurídicos que custam mais do que algumas empreitadas. Eu quero saber quanto é que se paga aos advogados que prestam assessoria jurídica ao Instituto de Estradas de Portugal, a grandes contratos do Estado para aquisição de armamento para o Exército, para aquisição de submarinos, de helicópteros...
Isto deve ser publicitado e devem concorrer os escritórios que quiserem e não só aqueles que o Estado escolhe.
E a segunda coisa?
Outra questão é a contratação de advogados. Vou tentar criar, no âmbito da Ordem, um regulamento para contratação que imponha regras a ambas as partes.
Quero que os advogados sejam sempre contratados por contrato escrito, que seja um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho, para o advogado manter a autonomia técnico-jurídica e não ficar subordinado a uma entidade patronal.
Os advogados não são patrões e empregados uns dos outros. São sempre colegas.
“Hoje, as universidades estão a enganar os jovens”
Há advogados a mais. É preciso dignificar a classe. Portanto, vai de limitar o número de estágios de acesso à profissão.
Temos de limitar.
Não podem entrar dois mil advogados por ano na Ordem. Não há possibilidade.
A Ordem em cerca de 20 anos passou de cinco mil para quase 30 mil advogados.
Quais serão os critérios?
Têm de ser critérios democráticos, que garantam que tanto entra na Ordem o filho do professor catedrático, como o filho de um pescador ou de um operário.
Desde que tenha qualidades para ser bom advogado.
Teremos de analisar bem esta questão.
Há muito interesses legítimos e respeitáveis envolvidos.
Quero é definir um rácio entre as necessidades sociais do patrocínio forense e o número de advogados no mercado.
Na Finlândia existe um advogado para cada 6 mil habitantes. Na Áustria um para cada 4.200. Em França, por cada 1.800 habitantes.
Em Portugal existe um advogado por cada 380 habitantes. É impossível manter isto.
A Ordem poderá limitar no acesso à profissão, não no acesso aos cursos de Direito.
Bastava em Portugal haver cinco faculdades de Direito.
Nós temos 26 cursos. Isto foi um negócio que explorou sem escrúpulos as ilusões e as esperanças de um sector da juventude portuguesa numa sociedade em crise.
A maioria dos licenciados em Direito encontra saídas profissionais que não têm nada a ver com a formação académica que tiveram.
Ou são jornalistas, ou vão dar aulas, ou trabalhar em funções indiferenciadas.
Não deve ser o mercado a funcionar?
O mercado pode funcionar quando se trata de escolher sapatos...
O senhor é professor de Jornalismo, área onde acontece algo de semelhante. Não há saídas profissionais.
E os licenciados em Jornalismo e em Comunicação Social estão a fazer biscates aqui e acolá ou a trabalhar nos supermercados, ou noutras coisas que não têm nada a ver com aquilo que estudaram.
Isso foi outro negócio que se fez, das universidade privadas, no qual o poder político participou e condescendeu.
No caso do Direito, temos de procurar que as universidades respondam às necessidades reais da sociedade e não haja cursos para responder a necessidades dos professores dessas faculdades e a privilégios de que esses professores não querem abdicar.
Hoje, as universidades, incluindo as públicas, captam alunos através de publicidade comercial paga nos órgãos de informação. Estão a enganar os jovens.
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